Embora estejam surgindo, no meio dos Irmãos, argumentações tentando nos convencer de que existiram diferentes formas de governo da igreja no Novo Testamento, o contrário é que é verdade. O Novo Testamento apresenta apenas uma forma de governo eclesiástico a qual é vários presbíteros compondo a liderança de cada igreja local. Uma liderança plural exercida por mais de um homem e nunca por um homem somente ou por um homem com mais autoridade que os outros líderes. Bem cedo na igreja já são mencionado os presbíteros. Já em Atos 11:30, logo no início da Igreja, podemos ler sobre os presbíteros da igreja em Jerusalém. Paulo e Barnabé, no retorno da sua primeira viagem missionária, estabeleceram o padrão de liderança através da constituição de presbíteros em todas as igrejas que haviam fundado. “E, promovendo-lhes, em cada igreja, a eleição de presbíteros, depois de orar com jejuns, os encomendaram ao Senhor em quem haviam crido” (At 14:23 – negrito meu). Isto indica que o procedimento de Paulo era estabelecer um grupo de presbíteros em cada igreja que fundava. Ficamos sabendo que também em Éfeso Paulo deve ter estabelecido presbíteros, pois lemos em Atos: “De Mileto, mandou a Éfeso chamar os presbíterosda igreja” (At 20:17 – negrito meu). Além disso, vemos Paulo enviando Tito a Ilha de Creta com um objetivo o qual foi: “Por esta causa, te deixei em Creta, para que pusesses em ordem as coisas restantes, bem como, em cada cidade, constituísses presbíteros, conforme te prescrevi” (Tt 1:5 – negrito meu). Na carta a Timóteo Paulo menciona os presbíteros. Ele escreve: “Não te faças negligente para com o dom que há em ti, o qual te foi concedido mediante profecia, com a imposição das mãos do presbitério” (I Tm 4:14 – negrito meu). Em outras epístolas há a menção aos presbíteros. Tiago escreve: “Está alguém entre vós doente? Chame os presbíteros da igreja, e estes façam oração sobre ele, ungindo-o com óleo, em nome do Senhor” (Tg 5:14 – negrito meu). A importância deste texto se deve ao fato da epístola de Tiago ter sido uma carta geral escrita para muitas igrejas e crentes a quem ele chama de “as doze tribos que se encontram na dispersão” (Tg 1:1 – negrito meu). Isto nos mostra que Tiago esperava que em cada igreja onde sua carta fosse lida existissem presbíteros. De Pedro podemos inferir a mesma coisa, pois sua carta foi dirigida a várias igrejas que estavam espalhadas nas províncias romanas da Ásia menor (Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia – cf. I Pe 1:1). Ele escreveu: “Rogo, pois, aos presbíteros que há entre vós, eu, presbítero como eles...” (I Pe 5:1 – negrito meu). Ele também esperava que em cada uma daquelas dezenas de igrejas houvesse presbíteros. Já em Hebreus, embora não apareça a palavra presbítero, vemos que na congregação a qual a carta foi dirigida havia uma pluralidade de líderes. Em Hebreus 13:17 lemos: “Obedecei aos vossos guias e sede submissos para com eles; pois velam por vossa alma, como quem deve prestar contas...” A Bíblia Revista e Corrigida comete um erro de tradução aqui ao dizer “obedecei vossos pastores”. A palavra grega usada aqui é “hegouménon”, derivada de “hegéomai” e o significado desta é liderar, guiar. No grego bíblico a palavra pastor é “poimén” e, no original grego, ela não ocorre nem em Hebreus 13:17 e nem em Hebreus 13:7. É digno de nota que Pedro, que era um apóstolo do Senhor Jesus, quando no contexto de igreja local chamou a si mesmo de presbítero e não de apóstolo, pastor ou outro título. Neste contexto do pastoreio do rebanho do Senhor ele apresentou-se como presbítero. De todos estes textos não podemos deixar escapar pelo menos duas verdades. Em primeiro lugar, nunca vemos nenhuma sugestão que qualquer uma igreja, por menor ou mais isolada que seja, tivesse um só presbítero. O padrão do Novo Testamento é pluralidade de presbíteros. Em segundo lugar, não vemos no Novo Testamento mais de uma forma de governo e sim uma única forma que é a de presbíteros em cada igreja local, pastoreando, dirigindo, zelando e cuidando dela. As palavras presbítero (ancião) e bispo designam basicamente a mesma função. Em Atos 20:17, 28 vemos Paulo se dirigindo aos presbíteros onde também os chama de bispos. Aqueles homens tinham a incumbência de pastorear a igreja. Eram eles que deveriam proteger a igreja dos “lobos” (falsos mestres) que nela penetram com o intuito de arrebanhar adeptos a si mesmo através dos seus ensinos errados. Também deveriam estar atentos com os de dentro, pois mesmo entre eles poderiam levantar-se pessoas assim. Tendo colocado esta base bíblica para a liderança bíblica da igreja local, gostaria de falar sobre alguns posicionamentos, a meu ver equivocados, que tenho presenciado por parte de alguns irmãos e, até mesmo, igrejas locais. Já se vão alguns anos que um irmão me interpelou tentando defender a idéia do que ele chamou de Presbítero Presidente, o qual seria um presbítero que estaria acima dos outros presbíteros. Na prática ele seria o “chefe” dos outros presbíteros. Disse-lhe que esta pratica não tem apoio e nem precedente bíblico. Mas ele, mesmo não podendo fundamentar biblicamente sua idéia, não se deu por convencido. Percebo que, na tentativa de copiar ou se adequar as outras igrejas evangélicas, alguns dos nossos irmãos têm tomado um caminho diferente daquele que nos é indicado pelas Escrituras Sagradas. Escrituras estas que deveriam ser nossa única regra de fé e prática!
Em um congresso realizado por pessoas dos Irmãos, um pregador de uma denominação evangélica compartilhou com um líder bem conhecido nosso meio estar estranhando que alguns de nós, herdeiros dos princípios dos Irmãos, estejam indo para aquilo do qual ele tinha saído. Afirmou que na igreja onde é um dos líderes, saiu a figura do pastor e entrou a liderança plural composta de presbíteros. Para encerrar, conto um caso que aconteceu comigo, o qual exemplifica uma idéia cada vez mais corrente entre nós. Fui entregar uma correspondência em uma localidade e o irmão que me recebeu, querendo me agradar, me chamou de pastor. Disse-lhe que não costumo usar títulos e que prefiro ser chamado apenas de irmão. Ele me interpelou com a clássica pergunta: “Ora bolas, mas você não pastoreia a igreja?” Respondi que sim. Ele, então, retornou: “então você é pastor! Afinal Paulo nos diz que, na igreja, Deus concedeu alguns para pastores” (cf. Ef 4:11). O que, os leitores hão de convir, parece fazer sentido. Qual é o problema aqui? O problema é confundir o dom de pastor com o título pastor. Título este que, normalmente, tem a intenção de colocar seu portador um degrau, ou degraus, acima dos demais crentes. Já foi demonstrado que quando fala de líderes na igreja local a Bíblia fala de presbíteros. Eles são incumbidos de pastorear o rebanho de Deus, mas os autores bíblicos os chamam de presbíteros (ou bispos) e não de pastores. Não somente o dom é confundido com um título mas, também o é, a função de pastorear. Se fossemos aplicar isto aos outros dons espirituais teríamos que chamar quem tem o dom de contribuição de contribuinte fulano de tal; quem tem o dom de exortação de exortador cicrano; quem tem o dom de serviço de servidor fulano de tal e por ai vai. O termo pastor (poimén) ocorre 18 vezes no NT e na maioria das ocorrências refere-se ao Senhor Jesus. Ele aparece com os seguintes significados nas seguintes passagens: Como dom em Efésios 4:11; Como função em 1 Pe 5:2; e referindo-se ao Senhor Jesus em Mt 24:35; 26:31; Mc 14:27; Jo 10:2,11,12,14,16; *Hb 13:20; *1 Pe 2:25; 5:4. Aparece também designando os que cuidam de ovelhas (animais) – Lc 2:8,15,18,20 e em Judas 12 referindo-se a hereges. Notem que o termo nunca aparece como um título e sim como dom/função. Então, por qual motivo alguns estão sendo atraídos a usarem este título? Um irmão me disse que o uso deste título fez com que os membros o respeitassem mais. Será? Ora, se o respeito de um líder advém do seu título há algo errado. Respeito deve ser conquistado pelo bom procedimento e não imposto por títulos, cargos ou posições. Outro irmão me segredou que ao chegar na igreja onde era membro se deparou com os presbíteros com uma plaquinha no paletó onde se lia pastor fulano de tal. Será que um líder precisa usar um crachá para ser identificado pelos membros da igreja? Afirmo novamente que há algo errado com esta mentalidade. Infelizmente não é somente esta questão de títulos que está introduzindo no nosso meio o que tenho chamado de “Clericalismo [i] Brando” o qual pode vir a descambar em Clericalismo Rígido! Creio que esta crescente mentalidade não surgiu do nada. Estou convencido que isto é reflexo de algo que vem de longas datas, de quando se começou a dar destaque a alguns irmãos nas reuniões da igreja local, bem como em congressos, encontros de obreiros etc. Em algumas igrejas há cadeiras especiais que só podem ser ocupadas por irmãos “importantes”. Quem nunca viu alguém ser convidado para compor o púlpito? [ii] Quem nunca viu, em alguns encontros e congressos lugares de destaque destinados especialmente aos que são conhecidos como obreiros em tempo integral?
Nossa função na igreja do Senhor, seja ela qual for, não deve nos levar a pensar, e nem deve levar outros a pensarem, que somos mais importantes que os outros irmãos. Importante e merecedor de todo o destaque é Aquele que nos arregimentou e nos capacitou a servi-Lo. Ora se O servimos é por sermos seus servos. Servo vem da palavra grega "doulos" que significa escravo. Escravo é escravo, e escravo não se julga importante. Portanto o destaque deve ser dado ao nosso Senhor e não a nós! “...os cristãos não precisam recorrer às nomenclaturas para serem reconhecidos como tais. Não precisam ser nomeados levitas para serem servos. Basta ser cristão e seguir os passos de seu mestre, porque todos cristão verdadeiro serve.” [iii] Em 1928, Groves, um dos irmãos pioneiros, disse: “Eu não tenho dúvida que está de conformidade com a vontade de Deus nos reunirmos em toda simplicidade, como os discípulos, não almejando nenhum púlpito ou cargo, mas certos de que o Senhor nos edificará juntos, como lhe aprouver, e usará um dentre nós mesmos.” Este foi um dos fundamentos do “Movimento dos Irmãos”. Foi com esta mentalidade que eles revolucionaram o mundo e espalharam-se rapidamente para muitos países. À medida que os anos passam, parece que este posicionamento vai sendo mais e mais deixado de lado. Não me assustaria muito se em breve surgirem, no meio daqueles que dizem fazer parte dos Irmãos, algum apóstolo, ou presbítera, ou pastora. É uma questão de tempo, pois um desvio de um milímetro, num determinado ponto, vai aumentando à medida que a reta avança. No inicio apenas um milímetro, mais um pouco o desvio será de alguns metros que podem converter-se em quilômetros em relação ao traçado original. É difícil não notar uma crescente tendência de se colocar a sigla de um título na frente do nome (Pr., Pb., Dc., Ev., Miss. etc.). Esclareço aos leitores que não sou daqueles radicalmente contrário a se “dar nome aos bois”. Na igreja local é preciso saber quem é o que. É preciso que cada um atue numa área que esteja de acordo com o seu dom espiritual. Mas ninguém precisa ser identificado pela sua função, como se ela fosse um título, e sim como irmão. Por exemplo: sou um dos presbíteros da igreja em São Torquato, mas ninguém me chama de presbítero Jabesmar. Até que alguns tentaram, mas eu delicadamente pedi que parassem. Algumas vezes as pessoas de outras igrejas e até descrentes me chamam de pastor. Não crio caso por isso e as respondo educadamente, mas procuro não fazer uso de títulos eclesiásticos. Aliás, para ser bíblica, uma igreja deve ter presbíteros e estes devem ser conhecidos como tais! Não quero que me tenham por ingênuo e simplista! Estou ciente que há os que são veementemente contra títulos, mas que, na prática, são mais dominadores e centralizadores que alguns daqueles que o usam. São verdadeiros clérigos! Estão sempre a colocar-se acima dos demais e mortais crentes. Sei que em algumas igrejas, que nem presbíteros têm, é possível que haja lá um “manda chuva” que determine tudo. Portanto, entendam que minha intenção neste artigo não é simplesmente combater o uso de títulos. Antes disso, pretendo trazer um alerta quanto à crescentementalidade clericalista no meio dos irmãos. Pois, ela é que tem sido a fonte do problema. Não pensem os leitores que vou “criar caso” nas igrejas onde há este costume. Por mais que discorde dele, não vou afrontar publicamente nenhum liderança local, pois ao fazer isto incorreria em outro erro que é o desrespeito a autonomia da igreja local. Faço questão de deixar claro que este artigo não tem a finalidade de discutir pessoas e sim idéias, conceitos. Também não tem a intenção de julgar o caráter e nem a motivação de ninguém, pois é possível ter boa motivação e mesmo assim cometer equívocos. Quem me conhece sabe que não defendo valores fundamentados em tradições humanas. Na verdade os tenho combatido e angariado alguns desafetos por isso. Contudo, aqueles valores que são fundamentados na Palavra de Deus, precisam ser constantemente relembrados, realçados e reafirmados. Termino citando o parágrafo de um livro que li recentemente: “No velho cemitério próximo a histórica rocha de Plymouth [iv], onde repousam os Patriarca Peregrinos, existe uma pedra onde foram gravadas estas solenes palavras: ‘Aquilo que nossos pais com tanto esforço conseguiram, não lancemos fora descuidadamente’”.[v]
(Pode ser copiado e divulgado desde que sejam citados a fonte e autoria)
NOTAS: [i] Clericalismo é a divisão dos crentes entre clérigos e leigos, ordenados e não ordenados ao ministério. O clero detém o desempenho de determinadas funções tais como celebrar a ceia do Senhor, batizar; pregar etc. Na maioria das denominações evangélicas o que dá acesso ao clero é o fato de se ter o diploma de um curso teológico. [ii] “Compor o púlpito” é ficar assentado lá sem fazer nada enquanto o pregador entrega a mensagem. É, na verdade, uma forma de dar destaque alguém. Mas nunca vi o irmão “Zezinho”, freqüentador assíduo das reuniões da igreja, receber tal convite. Porém, basta chegar algum visitante “importante” que logo será convidado a ocupar um lugar de destaque. [iii] Nelson Lellis. 12 Homens, pg. 78. Editora Abba Press. [iv] Rocha localizada em Massachusetts, EUA, onde um grupo de Puritanos se abrigou em dezembro de 1620. [v] Nelson Lellis. 12 Homens, pg. 131. Editora Abba Press. |