Este post talvez seja um pouco mais técnico do que os habituais, mas achei interessante compartilhar esta ideia sobre a qual tenho pensado um bocado.
Toco bateria há pouco mais de quatorze anos. Toquei principalmente na igreja, com uma breve passagem pela banda do colégio e outra na faculdade da qual eventualmente saí. Não sou o baterista mais técnico que existe. Nunca sentei para estudar devidamente. A maioria do que sei, fui pegando de ouvido ao longo dos anos. Mas uma coisa que noto na maioria dos bateristas de igreja hoje é que não há uma preocupação de se tocar para a música. O que isso quer dizer? Vou exemplificar:
Quando meu amigo Mauricio Barbosa me chamou para gravar as baterias do CD do coral Geração Ação, Vitória da paixão, fiquei extasiado! Pensei: agora que finalmente vou poder colocar tocas minhas ideias num CD e poder dizer que sou um baterista de verdade! Entramos para gravar a primeira música e eu estava louco para mostrar tudo que poderia fazer naquela faixa. Não esqueço: “Cantarei a linda história de Jesus, meu Salvador.” Era num compasso de ¾. Assim que começou, ouvi o clique e mandei ver tentando encaixar todas as notas fantasmas possíveis e encaixando viradas e parou tudo. O Mauricio logo parou a gravação e disse: “Andrew, menos. Já tem coisa demais acontecendo na música.” Ou seja, ignorei tudo que estava acontecendo para tocar somente aquilo que eu queria tocar. Sem dar a mínima para o resto dos instrumentos. Foi uma baita lição…
Qual é o objetivo do músico de igreja? Do ministério de louvor? Temos que tocar para a música, que nesse caso serve a adoração da congregação. Ou seja, tocamos não para nós, mas para a congregação. Nosso papel alí é fornecer a base, o complemento ao que a congregação está fazendo, e não o contrário. Eles não estão cantando a música que nós tocamos. Nós tocamos seguindo aquilo que eles cantam. O foco é a adoração da congregação.
Tendo dito isso, quais são os estilos musicais que melhor se emprestam à adoração? Quais são os estilos que fornecem esse acompanhamento da melhor maneira possível? Não estou entrando em uma discussão sobre a existência de Ré maior santificado ou não. Eu pessoalmente acho que cada congregação deve se expressar conforme a sua cultura, independente do estilo, contanto que a congregação consiga louvar de coração.
Tendo dito isso, observo muitos dos músicos de igreja hoje em dia. Eu nunca fui um baterista muito rápido, mas sempre busquei tocar com dinâmica. Os músicos que vejo hoje são o extremo oposto. Encaixam viradas mirabolantes, rufos e toques duplos ou solos de guitarra com uma destreza incrível! Mas só sabem tocar em dois volumes: ligado e desligado. E quando acaba a música, fica um zumbido no meu ouvido. Ou seja, não ouvem o que está acontecendo ao redor deles. Pior, reclamam que o retorno está baixo e que precisam se ouvir melhor. Mas voltando para a música…
A música que tocamos na igreja deve servir de base para a congregação, ou seja, tocamos para um grupo de pessoas que, em sua grande maioria, não entende bulhufas de música. E eles não precisam entender. Nós músicos, porém, temos que nos preocupar com a base, o chão, o esqueleto do louvor. Temos que transformar a música que tocamos em algo que seja entendido pela congregação. Como fazer isso?
Todo músico provavelmente já ficou frustrado com a facilidade com que se toca alguns dos maiores sucessos das rádios. Milhões ouvem uma música que tem apenas três acordes ou uma batida bem básica. E se frustram porque a música não é “tudo aquilo que poderia ser”. Mas nesse caso, a música deles atende justamente ao propósito: todos tem que entendê-la e gostar, quem sabe até se identificar com ela. A música deve ser de fácil compreensão para que todos possam aproveitar. Isso é uma regra? Toda música popular é ruim? Não necessariamente, mas não é qualquer um que consegue ouvir um Miles Davis ou um Rush tranquilamente. Esse tipo de música é de uma digestão mais difícil.
Porém… toda boa música de louvor deve ter algo fácil de ser seguido. No caso da bateria, é mais fácil identificar. Mas não precisa ser a bateria. Pode ser um ritmo de guitarra que se repete ao longo da música ou uma frase de baixo que segura tudo junto. A música tem que ter uma continuidade, algo a ser seguido, algo no qual todos que ouvem possam confiar. Victor Wooten, um baixista fenomenal, explicou uma vez porque que todos odeiam o solo de baixo. Basicamente, ele diz, é que o baixista passa a música toda “groovando” (mantendo uma base de notas que se repetem de maneira ritmada) e as pessoas estão curtindo e dançando. Mas chega a hora do solo e ele para de “groovar”. E as pessoas ficam sem aquele chão. Com bateria, a mesma coisa. Adoro um solo de Dennis Chambers de vez em quando, mas do que adianta fritar a bateria toda se não há uma marcação constante para dançar e fazer o corpo mexer? Como é que aplico aquilo a uma música para outros, que não sejam bateristas, gostarem? Se o cara começa a quebrar o tempo e fazer coisas imprevisíveis, ele perde a minha confiança e paro de seguir. Fico só assistindo. Muito impressionado, mas aquilo não diz nada para mim.
Ou seja, deve haver algum tipo de pulsação central que segura tudo junto. Um exemplo que gosto bastant: “Seven days” do Sting. A música tem um compasso em 5/4, algo que não é normal para o ouvido do leigo. É um tempo esquisito, tem alguma coisa de estranho. Mas nessa música, o baterista, mestre Vinnie Collaiuta, mantém uma marcação constante no contra tempo (o hi-hat da bateria). O Sting pediu essa pulsação meio com cara de reggae justamente para dar o “chão” à música. A pulsação constante do contra tempo torna o compasso esquisito um pouco mais tolerável, pois há algo fácil de ser seguido, fica “digerível”, por assim dizer. Ouça abaixo. É interessante…
Esse conceito não é nada novo, e também não é restrito à música. Pense nos exércitos. Como é que os antigos generais conseguiam fazer com que todos marchassem em sincronia? Caixa! Tarol! Na frente, os “bateristas” da época mantinham a pulsação e o exército todo andava junto. Hitler também sabia disso. Diz a lenda que nos comícios nazistas, ele quase que hipnotizava todos. Seu poder de cativar era impressionante. Controlava aquela multidão toda com vários artifícios. Entre eles, grandes tambores, bumbos estrondosos que mantinham o batimento cardíaco de todos em sincronia constante. Loucura pura!
Vai pensando nas músicas mais chicletes da rádio. Tem o “four on the floor” (quatro no chão), o compasso em 4/4 com um bumbo batendo em todo tempo. Pensa na dance music, no rock, na música eletrônica e por aí vai. Tem um pulso reto e estável que segura tudo. Ouça 30 segundos e seu pé está batendo ou a cabeça quicando junto. É algo quase que instintivo. Um exemplo ótimo dessa batida é a seguinte música. No verso, o baterista basicamente só mantém o contra tempo e o bumbo nos quatro tempos. Parece até uma marcha (já pensou porque que os hinos antigos tem uma sensação de marcha?).
Qual é o barato da marcha? Dessa pulsação? Ela convoca todos a seguirem aquele ritmo. É algo estável que transmite confiança pois quem ouve sabe exatamente o que vai acontecer nos próximos X minutos de música. Por ter essa confiança, elas esquecem a música e se concentram em… quem diria?!? O louvor, a palavra cantada!! Já dizia C.S. Lewis:
“O bom calçado é aquele que você não nota. A boa leitura torna-se possível quando você não precisa pensar conscientemente sobre os olhos, a luz, a impressão, a pronúncia. O culto perfeito seria aquele que passasse praticamente despercebido; nossa atenção estaria voltada para Deus.”
Agora você pensa naquelas músicas que ouvimos em tantas igrejas cheias de quebradas e viradas e solos e “truques” completamente imprevisíveis. Quem não ensaiou junto com a banda fica perdidinho que só. Como é que essa pessoa consegue louvar se ela é constantemente interrompida pelos músicos? Podem ser músicos excelentes, mas eles mais atrapalham do que ajudam. Estão tocando para quem? Para quê?
Quem sabe não está faltando um pouco de humildade e submissão entre os músicos de igreja deixar de tocar um pouco para dar espaço para o louvor a Deus.
Só umas ponderações de um músico tentando tocar mais “para a música” e menos para si. Fica aqui uma das minhas músicas prediletas que demonstra lindamente o conceito que acabei de explicar e cuja mensagem é bem legal.
Por Andrew McAlister