Sementeira ou colheita: o que fazemos?

 

No décimo capítulo do evangelho de Lucas encontramos o relato do envio pelo Senhor Jesus de setenta de seus discípulos para que o precedessem em cada cidade e lugar aonde estava para ir. Estes seus primeiros "missionários" tinham uma tarefa simples para cumprir: anunciar que estava próximo o reino de Deus. Seu trabalho seria por pouco tempo, e seu cargo temporário, limitando-se ao papel de arautos do Senhor em sua caminhada para Jerusalém, recebendo dele dons sobrenaturais de cura de enfermidades e poder sobre os demônios, para serem exercidos nas cidades onde fossem bem recebidos.

É no início deste trecho que encontramos o versículo "A seara é grande, mas os trabalhadores são poucos. Rogai, pois, ao Senhor da seara que mande trabalhadores para a sua seara" (v.2). Devemos lembrar que a palavra no original grego que é traduzida seara no português significa especificamente ceifa, colheita, e não lavoura, como é muitas vezes entendida. As mesmas palavras foram ditas e os mesmos dons dados aos seus doze discípulos (e Judas era um deles), quando Ele os mandou às ovelhas perdidas da casa de Israel, advertindo-os que não tomassem rumo aos gentios, nem entrassem em cidade de samaritanos (Mateus 9:37 a 10:42). A missão deles era limitada ao povo israelita (*).

O Senhor estava se referindo à ceifa, ou juízo do povo de Israel, no final do período da Lei, marcado pela sua rejeição do Messias, crucificando-o. A história bíblica da humanidade é dividida em períodos, cada um terminando com um juízo: o da inocência com o banimento de Adão e Eva da presença de Deus, o da consciência com o dilúvio, o da Lei com o afastamento do povo de Israel, e, ainda por vir, o da Igreja com a Tribulação, e o do Milênio com o Juízo Final. Temos um exemplo na parábola do joio e do trigo "deixai-os crescer juntos até à colheita, e, no tempo da colheita, direi aos ceifeiros: Ajuntai primeiro o joio, atai-o em feixes para ser queimado; mas o trigo, recolhei-o no meu celeiro" (Mateus 13:30).

Tirando as palavras do seu contexto, que era o de preparar o povo para a chegada e o reino do Messias, ouvimos hoje preces pedindo ao Senhor que mande trabalhadores para a sua seara. No sentido original, seria como se o mundo todo estivesse já maduro, pronto para a colheita, e que os trabalhadores viriam colher. Se assim fosse, muitos, talvez a maioria dos servos de Deus hoje, teriam razão para se sentir inúteis no trabalho, pois poucos são os convertidos. A realidade é que, mesmo hoje, ao final do segundo milênio, o maior trabalho ainda consiste na sementeira!

Nossa missão principal agora, como desde que o Senhor enviou seus onze discípulos dizendo "Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura" (Marcos 16:15), é semear a Palavra de Deus: e este é o trabalho de cada crente! Tomemos cuidado, em nossas orações, para não pedirmos que Deus mande outros para fazer o trabalho que nós próprios deveríamos estar fazendo. Podemos cumprir perfeitamente a nossa tarefa de sementeira, sem ver sequer uma alma convertida. Fracassamos? Não.

O semeador da parábola lançou a sua semente por toda a parte - não escolheu aonde caía! Também nós não podemos prever se a Palavra que distribuímos será bem ou mal compreendida, e se resultará em aceitação e conversão. O apóstolo Paulo teve a experiência de ter plantado, enquanto outro, Apolo, teve o privilégio de regar, mas ele reconheceu que tanto um como o outro eram servos conforme o Senhor concedeu a cada um, mas o crescimento veio de Deus. Cada um receberá o seu galardão conforme o seu trabalho (1Coríntios 3:5-9).

Ao fim do relato dos setenta comissionados, lemos que eles voltaram possuídos de alegria porque os próprios demônios se submetiam ao nome de Cristo: é a mesma alegria, com um misto de surpresa, que sentimos quando semeamos a Palavra de Deus (falando ou entregando uma porção dela por escrito) e alguém vem a Cristo! Podemos até ser tentados a pensar, lá no fundo: Veja o que eu consegui! Que lição encontramos nas palavras do Senhor "alegrai-vos, não porque os espíritos se vos submetem, e, sim, porque os vossos nomes estão arrolados nos céus" (v.20). O sucesso é dele, não nosso.

Tratemos de semear, enquanto é tempo (João 9:4).

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R David Jones